homenageada
dirapaes
Dira Paes, a Pachamama encarnada no 21º Festival de Cinema e Vídeo de Cuiabá,
poderia viver banhando seu corpo prazerosamente nas águas mansas do doce rio Guajarina, no Pará, numa das bacias que vertem do encontro amoroso, beijo da terra e o céu, Pachakamac, aos cumes nevados da Pachamama, a Cordilheira dos Andes, que se derretem, irrigam de vida o continente sul Americano. Ou talvez, viver calmamente contemplando as revoadas graciosas dos pássaros sobre esse rio. Mas quis a sorte que ela rompesse uma imensa fila de outras cerca de quinhentas candidatas. Por conta e risco ainda adolescente, sorveu o ar da floresta e se encheu de coragem para esse inédito concurso em sua vida, em 1985. Um raio de luz dourado iluminou a corajosa menina. Foi selecionada para atuar no longa americano “A Floresta de Esmeraldas”, interpretando Kachiri, do diretor inglês John Boorman. O impacto das barragens sobre os povos originário e ribeirinhos da Amazônia, tema do filme, certamente foi tatuado em seu corpo e sua vida. Nascia uma estrela para o cinema brasileiro, para o povo feliz e sofrido onde a terra, a agua e os céu se fundem no seio na floresta Amazônica. Tal qual a garça azul que se arremessa da água para o céu, a menina se fez mundo, e foram dezenas de filmes, teatro e novelas. Hoje se abriga numa casa-arvore, em volta de um pântano, na Lagoa da Barra, no Rio do Janeiro. Cidade onde se apurou seu pensamento decolonial e se tornou filósofa pela Universidade Federal desse Estado. Ali reside a menina paraense/índia que emergiu das veredas, dos muritis, palmeira resistente da família das arecáceas, o buriti como é conhecido em Mato Grosso e em outras regiões. Lá, ao nascer leonina ficou eternamente regida pelo brilho do sol. Sua terra, Abaetetuba, também ressoa na palavra de origem tupi guarani. Sinônimo de um lugar de abundância, onde brota gente forte e valente tal qual a menina Dira que foi batizada por inúmeras ilhas, navegando nas rebetas, canoas e barcos. Hoje a sua cidade natal é a capital do Muriti, celeiro da criação artesanal. Repercutindo pelas mãos de seus artesãos a simbologia da infância, dos brinquedos, da fantasia. Pássaros e signos esculpidos na madeira. Daqui de Mato Grosso por ser fronteira com seu Estado natal, ainda podemos imaginar e degustar os licores, os bombons e os frutos da Amazônia.
Na terra de Dira os muritis são esculpidos como entes encantados pelas mãos dos artesãos, na madeira macia do Buriti. Canecas, barcos, cobras, bichos, araras, barquinhos. Da palha se tiram a cobertura das casas, as redes, as cestarias e os famosos muritis. Produtos reconhecidos e tombados pelo Iphan como Patrimônio Histórico Artístico Cultural do Brasil.
Os brinquedos de muriti também são pássaros gerados pela imaginação de seu povo, que voaram para o mundo inteiro. Assim como os pássaros de Miriti, Dira Paes via a sua arte voar, encantando e conquistando outros povos.
Magnitude de uma vida premiada pelos mais cobiçados prêmios do Cinema Brasileiro. Em Cuiabá, em 1997, no Festival de Cinema dessa cidade, a já moça ganhou o primeiro prêmio de sua carreira como melhor atriz. A saga amorosa de Dada, companheira de Corisco foi contada pela maestria de Rosemberg Cariry. Uma enxurrada de prêmio começou desde então.
Em 2023 Dira Paes foi eleita melhor atriz pelo Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, por interpretar Pureza, personagem principal do filme inspirado na história de vida de Pureza Lopes Loyola. O filme narra a busca incansável de uma mãe por seu filho Abel até encontrá-lo explorado no trabalho análogo à escravidão, mera coincidência com a situação análogo de centenas de trabalhadores em Mato Grosso. Ao receber o prêmio Dira afirmou:
Pureza começou de uma forma muito potente. Essa personagem existe. Está aí. Ela quebrou barreiras, ela foi muito longe. Ela, a bolsa dela, a bíblia, um quilo de farinha, uma calçinha. Ela percorreu muito esse Brasil para lugares onde ninguém vai, onde as pessoas não são tratadas como gente e talvez, nem sejam consideradas brasileiras, porque muitas vezes não têm documentos.
Diante da expressiva carreira seria quase impossível mensurar o trabalho e os passos dados por Dira Paes na arte e na vida. Certamente, tudo que ela faz ficará ressoando, no infinito, marcando a existência de uma verdadeira estrela embrenhada de amor e enfrentamentos que perpetuam em seu corpo, a sua geo-história, sua etnia indígena, corporificando a brasilidade.
Dira escreve na história as suas marcas de ser mulher, ser atriz, ser cidadã para vislumbrar e viver um mundo menos desigual. Ela é uma conjugação intrínseca dos desafios que abraça. Seu despertar é contínuo alerta indignado com os danos à natureza e as desigualdades sociais.
O seu nome estará sempre escrito em todas as bandeiras que não se calam, que lutam para se defender, tal qual Pureza, aqueles que são explorados e subjugados para dar sentido ao projeto de quem domina.
Por essa e por mil razões, Dira Paes presente!
Escrito a seis mãos e um coração: Luiz Borges, Lucia Palma e
Graça Campos
Cuiabá, 22 de outubro de 2023.
Na televisão brasileira atuou em mais de vinte e seis novelas e seriados, apresentações e outras produções, das quais vale elencar:
(1995) Irmãos Coragem, (1999) Chiquinha Gonzaga, (2004) A Diarista, (2005) Brasil Feito à Mão, (2009) Caminho das Índias, (2016) Velho Chico, (2022) Pantanal.
No teatro atuou nas peças: Capitães da Areia, O Capataz de Salema, O Avarento, Meu Destino é Pecar, Caderno de Memórias.
No Cinema participou em cerca de trinta filmes e documentários. Por esse expressivo desempenho foi laureada com os prêmios mais importantes do país. Daí em tela:
Ele, o Boto, Au Bout du Rouleau, Corpo em Delito, O Filme da Minha Vida, Obra do Destino, Corisco e Dadá, Anahy de las Misiones, Lendas Amazônicas, Castro Alves – Retrato Falado do Poeta,Cronicamente Inviável, Vida e Obra de Ramiro Miguez, Estado de Alerta (curta-metragem), O Casamento de Louise, Lua Cambará: Nas Escadarias do Palácio, Noite de São João Joana, Meu Tio Matou um Cara, Celeste & Estrela; Incuráveis, 2 Filhos de Francisco, Baixio das Bestas, Mulheres do Brasil, Ó Paí, Ó , A Grande Família – O Filme, A Festa da Menina Morta, Ribeirinhos do Asfalto, Até a Vista, Estamos Juntos, Sudoeste, E Aí… Comeu?, À Beira do Caminho, Os Amigos, Encantados, O Segredo dos Diamantes, Órfãos do Eldorado, Mulheres no Poder, Redemoinho, Lino – O Filme: Uma Aventura de Sete Vidas , Beyond The Gate/Além do Portão, Idade da Água, Divino Amor, Veneza, Mise en Scène: a Artesania do Artista, Pureza (Longa-metragem com direção de Renato Barbieri que será exibido na abertura do festival)
No interior do Estado do Maranhão mora Pureza, uma trabalhadora incansável e fiel, que mantém a si e à sua família com a fabricação de tijolos de barro. Quando seu filho mais novo, Abel, aos 18 anos de idade, se despede de Dona Pureza para trabalhar, mal sabe ela que se passarão anos até que consiga reencontrá-lo.